terça-feira, 19 de julho de 2011

ESTE BLOG CHEGA AO FIM.
APÓS MESES POSTANDO ALGUNS DOS ARTIGOS QUE ESCREVI QUANDO MOREI E TRABALHEI EM PORTUGAL, ENFIM A SELEÇÃO DOS ARTIGOS PUBLICÁVEIS SE ACABOU.
FOI UM PERÍODO EXTRAORDINÁRIO, PUDE DEDICAR MEU TEMPO ÀQUILO QUE ME MOVE E DIRECIONA MINHA CONDUTA PERANTE O MUNDO E A VIDA: A POESIA.
SEI QUE ISSO JAMAIS IRÁ SE REPETIR, TAMPOUCO AGORA QUE A MÍDIA ESCRITA SOFREU TRANSFORMAÇÕES IRREVERSÍVEIS.
UMA TÊNUE NOSTALGIA VEM À MEMÓRIA QUANDO RECORDO CADA TEXTO QUE ESCREVI NESSE PERÍODO, VARANDO NOITES INTEIRAS PARA DEIXAR O TEXTO À ALTURA DE CADA POETA (VÃ TENTATIVA), TENTANDO DAR O MELHOR DE MIM PARA QUE O LEITOR PERCEBESSE PELO MENOS UM POUCO DO AUTOR QUE RESENHAVA DETERMINADO LIVRO.
ISSO AGORA É PASSADO, E NUNCA SE DEVE REMEXER NO QUE FICOU PARA TRÁS.

"NÃO VOLTES O OLHAR PARA TRÁS
".

É POR ISSO QUE, HOJE, MANTENHO-ME ENTRE O SIGILO E O SILÊNCIO, OBSERVANDO A MÁQUINA DO MUNDO NA SUA ROTAÇÃO CONSTANTE.

A QUEM ACOMPANHOU ESTAS POSTAGENS, AGRADEÇO A AMABILIDADE.

jhb

segunda-feira, 18 de julho de 2011


EXÍLIO E MEMÓRIA1

Ao chegar, em 1972, aos Estados Unidos, Joseph Brodsky trazia como moeda de troca, uma visão aguda e uma poesia nascida numa tradição literária poderosa como a russa. Dar-se-ia uma viragem completa em sua vida e na sua obra que culminou com o prémio Nobel de 1987.
Os únicos dados que se conheciam sobre o jovem poeta de 32 anos era o facto de ter estado preso por "parasitismo social" e a respectiva expulsaõ do seu país. Na Rússioa dos anos 60, a repressão política e intelectual veio mostrar, uma vez mais, que antigas premissas continuavam a orientar a actuação do estado contra a liberdade individual.
Em certa medida, Brodsky alonga a tradição acmeísta, mas promove uma renovação necessária dando continuidade ao processo de permuta entre a literatura russa e a de língua inglesa, sobretudo aquela representada por W. H. Auden, Robert Lowell, Richard Wilbur. Mas não esquece a lição recebida de Akhmatova, quem primeiro descobriu e divulgou o talento do poeta.
Desde o início do seu exílio nos Estados Unidos, teve como protetor Auden e a admiração de figuras como Susan Sontag, que lhe dedicou um dos seus mais importantes livros, Under the Sign of the Saturn. Brodsky publicou váriso livros de poemas2 como A Part of Speech, To Urania, uma peça de teatro, Marbles, e a narrativa Marca de Água3.
Há uma versão brasileira de Less Than One4, um livro em que a memória e o ensaio se misturam. Brodsky deixa transparecer o movimento deambulatório e o fascínio pelas cidades e os espaços. À procura de uma geografia pessoal e inatingível, o poeta apreende cada paisagem através do conhecimento interior. Ao discutir a mudança do nome de São Petersburgo para Leninegrado, o poeta aproveita para fazer referências políticas, históricas, literárias e urbanísticas da cidade. No texto "Fuga para Bizâncio", uma viagem a Istambul serve para interrogar aspectos do império romano, da derrocada do cristianismo e do advento do islamismo.
A visão de Brodsky esquadrinha tudo impregnada daquela "qualidade estereoscópica da percepção" que ele reclama para poesia. Nos ensaios que tratam de autores regressa aos que habitam sua constelação pessoal: Anna Akhmatova, Mandelstam, Auden, Derek Walcott e os romancistas russos. Nos ensaios "A Musa Lastimosa" e "Para agradar a uma sombra", é o discípulo a render homenagem aos mestres - no texto sobre Auden vê-se até que ponto foi importante para o poeta exilado russo: "Eu o vi a última vez em julho de 1973, num jantar na casa de Stephen Spender, em Londres, Wystan estava sentado à mesa com um cigarro na mão direita e um cálice na mão esquerda, e falava sobre o salmão frio. A cadeira era muito baixa e por isso dois volumes do Oxford English Dictionary haviam sido dispostos sobre o assento. ocorreu-me naquele momento que estava diante do único homem que tinha o direito de se sentar sobre aqueles dois volumes"5
No capítulo sobre Mandelstam, o poeta salda uma dívida com um certo tom sedicioso:"É uma voz bruxuleante, como um fósfora aceso em plena ventania, mas decididamente inextinguível. A voz que permanecerá, mesmo com o desaparecimento do seu dono. Sinto a tentação de dizer que ele era um Orfeu moderno: ao descer para o inferno, nunca mais voltou. Enquanto isso, a sua viúva se esgueirava por 1/6 da superfície da Terra, protegendo um pequeno vaso, onde escondia pedaços de papel com os versos do marido, decorando-os à noite para o caso de serem encontrados pelas Fúrias munidas com mandados de busca. São estas as nossas metamorfoses, são estes os nossos mitos"6.
As palavras de Brodsky reavivam a memória de uma geração impedida de de falar pela barbárie dos totalitarismos. Foi o herdeiro legítimo destas vozes.

1 Menos que Um, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

2 Poemas, trad. Carlos Leite, Lisboa, Cotovia, 2001.

3 Marca de Água, Lisboa, D. Quixote, 1993.

4 Op. Cit.

5 Idem, p. 146

6 Idem, p. 87.

segunda-feira, 11 de julho de 2011


Tsvietaeva Mandelstam
Akhmatova
Essenin
Maiacovski
Klébnikov


O VERBO E A MORTE1

Na Rússia do início do século XX concentraram-se múltiplos movimentos de vanguarda. Do cinema de Vertov e Eisenstein, do teatro de Meyerhold à música de Stravinsky e à arte de Kandinsky, a criação artística parecia brotar em cada esquina. A literatura não ficou alheia, pelo contrário, neste território se travaram as mais renhidas lutas e se deram os mais sinistros acontecimentos. Se o século XIX se tornara exemplar pela ascensão do romance russo, nas primeiras décadas do novo século a poesia foi a grande senhora. As gerações que emergiram foram responsáveis pelas transformações estéticas radicais, e é neste período que vários artistas são perseguidos, presos, proibidos de escrever e assassinados, numa série de factos envoltos em tragédia. A razia começou com o Futurismo, encabeçado por nomes como Vélimir Klébnikov, Serguei Essenine e Vladimir Maiacovsky.
Klébnikov participou nas campanhas do Exército Vermelho, depois tentou publicar as suas obras em Moscovo; regressou ao Cáucaso e, em 1922, faleceu debilitado pela fome. O destino de Essenine seria ainda mais trágico. Conheceu Isadora Duncan em 1921 e casaram-se no ano seguinte. Viajaram pelo mundo, mas o poeta abusava do álcool e o casamento naufragou. Sem conseguir adapatar-se à revolução russa, suicida-se num hotel, em 1925, escreve antes um último poema:

"Adeus meu amigo, sem aperto de mão nem palavras.
Não lamentes e não haja dor nem pena, -
Nesta vida morrer não é nada novo,
mas também nada de novo é viver"2


Depois cortou os pulsos e enforcou-se.
Maiacovsky, o "enfant terrible" do Futurismo, teve o destino traçado pela instromissão da política na sua obra e não foi poupado pela União dos Escritores, que o perseguiu por considerar as suas atitudes anti-revolucionárias. A sua ligação com Lília Brik, mulher de Ossip Brik, não agradava as autoridades. O triângulo amoroso foi encoberto, e o Museu Maiacovsky, situado na casa onde viveram os três, foi transferido para outro lugar. A perseguição chegou ao fim em 1930. O poeta que cantara a revolução suicida-se com um tiro no coração. A intervenção de Lília Brik junto de Estaline permitiu que a sua obra voltasse a circular. Lília dedicou-se a difundir a obra do poeta e, em 1978, aos 86 anos, pôs fim à vida ingerindo barbitúricos. A melhor síntese sobre o poeta, fê-la Marina Tsvietaieva:
"Durante 12 anos, o Maiacovsky-homem assassinou o Maiacovsky-poeta, no décimo terceiro ano o poeta revoltou-se contra o homem(...) Foi a vitória sobre a natureza e a glorificação da natureza. Viveu como homem e morreu como poeta"3
A "troika" notável dos acmeístas era formada por Marina Tsivietaieva, Ana Akhmatova e Ossip Mandelstam. O dilema desta geração foi estar no meio do fogo cruzado: por um lado, desejava mudanças, por outro, não alinhava com as transformações revolucionárias e opunha-se à orquestração promovida pelos futuristas, distante do ideal literário que professavam. A poesia refinada destes autores penetrava nas fontes da tradição russa.
Os membros da Oficina de Poetas reuniam-se na revistas Apollon e no café Cão Perdido, onde assistiam a conferências, teatro, balé, concertos ou sessões de poesia.
Casada com o crítico Gumiliov, Akhmatova teve problemas a partir de 1925, com a proibição de publicar feita pelo Comité Central do PC. Trotski criticou-a, e a Tsvietaieva, com alguma ligeireza:
"Possuem um universo redutor(...) para quem Deus é uma terceira pessoa simples e maleável, amigo da família, e cumpre, às vezes, o dever de ginecologista". Mas tinha defensores como Alexandra Kolontai e Modigliani. O silêncio imposto durou até 1940, quando escreveu contra o bombardeio de Londres e a invasão da França. Mas a visita de Isaiah Berlin4 desencadeou nova proibição, e o filho seria preso novamente. Só o degelo pós-estalinista acabaria com o martírio. Mandelstam resumiu com perfeição a poesia de Akhmatova: "Não existiria sem Ana Karenina, Turgueniev ou Dostoiveski. A sua essência poética, severamente original, recua até à prosa do romance psicológico".
Outra grande dama das letras era Marina Tsvietaieva. Admirada por Rainel Maria Rilkee Boris Pasternak. A adolescente rebelde que aos 16 anos abandonou os estudos para ver Sarah Bernhardt, encantou Gumiliov que foi o primeiro a escrever sobre ela. Tinha 24 anos quando a revolução eclodiu, dois filhos e o marido no Exército Branco. Com a morte da filha mais nova vitimada pela fome, em 1922, decidiu abandonar a Rússia. A solidão, o assassinato do marido pela polícia política e a prisão da filha mais velha, Ariadne Efron, num campo de concentração onde perdeu o filho de que estava grávida, determinaram o regresso à Rússia, em 1940. Sem condições de subsistência, procurou a ajuda dos amigos. A meia-irmã recusou ajudá-la; Ilya Ehrenburg, um antigo amante, evita-a; Pasternak, a paixão mais terna, distancia-se. Mudou para Elábuga, onde, no limite das forças , implora à direçãoda União de Escritores um lugar para lavar pratos. A resposta é negativa. Enforcou-se em agosto de 1941.
Mandelstam foi preso devido ao poema que escreveu caricaturando Estaline, e seguiu para a Sibéria onde morreu possivelmente em 1938.
Estes autores mantiveram-se fiéis aos seus princípios, unidos pela dedicação à poesia. Levaram a lição de ética às últimas consequências. Em 1989, baptizou-se uma estrela com o nome de Akhmatova. A meu ver, a iniciativa pretendeu consagrar não só sua obra mas a plêiade de poetas que lutou contra a opressão. Os poemas de Mandelstam sobreviveram graças ao amor de sua mulher, Nadejda, que, nas suas memórias, relata a forma e as condições em que foram escritos, para que as gerações futuras conhecessem a verdade.
A mensagem rompeu as trevas e chegou intacta ao seu destino.

1 Guarda minha fala para sempre, trad. Nina Guerra Filipe Guerra, Lx, Assírio e Alvim, 1996; publicado no jornal Expresso.
2 Poetas Russos, Trd. Manuel Seabra, Lx, Relógio d'Água, 1995.
3 Carta a la Amazona y otros escritos Franceses, Madrid, Hiperión, 1991.
4 Ver A Apoteose da Vontade Romântica, Bizâncio, 1999, o texto "Conversas com Akhmatoiva"

segunda-feira, 4 de julho de 2011


RUSSOS

MONUMENTO CLÁSSICO1

A 6 de junho de 1999, a Rússia comemorou o bicentenário de Púchkin, o poeta nacional daquele país. A data foi alvo de um gigantesco programa que movimentou a sociedade russa. Em rigor, as comemorações tinham começado há três anos, quando vários locais por onde o poeta passou foram recuperados - nada menos que trinta e seis casas e apartamentos que estiveram ligados de alguma forma à sua vida. Organizaram-se ainda exposições, festivais de teatro, e vários monumentos foram erguidos em sua memória.. No cinema e na televisão filmes e documentários lembraram a obra do autor de Evguéni Onéguin, e até produtos alimentares foram baptizados com o nome do poeta. Isto demonstra como o autor influi no imaginário russo.
"Púchkin deu à Rússia a sua língua literária e a sua sensibilidade(...) O seu verso exibe uma incompreensível habilidade de combinar a leveza do toque com uma profundidade de tirar o fôlego, as suas rimas e metros revelam a natureza estereoscópica de todas as palavras"2. O elogio é de Joseph Brodsky, o poeta exilado, prémio Nobel de 1987, que ajudou a divulgar a literatura russa ocultada pela vaga futurista representada por Maiakovsky e seus companheiros vanguardistas. Tal como Goethe ou Shakespeare para as suas respectivas línguas, a obra de Púchkin garantiu um espaço de relevo e atenção de figuras como Alexandre Blok, Ossip Mandelstam, Marina Tsivietaieva que vislumbraram ideais literários a seguir.
Com uma vida agastada por dramas pessoais que acabaram por levá-lo à morte, Púchkin viveu todas as sensações e dores. Apesar do pouco tempo de vida - nasceu em 1799 e morreu em 1837 - deixou uma obra assinalável. Autore de novelase contos, exímio escultor de personagens - não foram poucos os que apontaram a sua influência sobre Dostoievski e Tolstoi - Púchkin escreveu poemas narrativos, peças dramáticas, narrações de viagens e pesquisas históricas, além de inúmeros textos inacabados, esboços e narrativas autobiográficas.
A sua obra circunscreveu um amplo território de expressões norteada por uma lírica repartida entre as angústias humanas, a beleza, a sucessão das gerações, a ironia e até a técnica da colagem. O mais interessante é que, apesar das dificuldades que teve com o poder e da censura a que foi sujeito, o poeta ergueu ambientes renovadores para a época, legando assim um terreno fértil para as experiências posteriores. Com efeito, é possível fazer um contraponto com Ossip Mandelstam que morreu num campo de concentração na Sibéria por ter escrito um poema que ironizava a figura de Estaline. Púchkin sofreu também as agruras da proibiução e do exílio.
Quando morreu, dois dias após o duelo com o conde Danthès, nos arredores de São Petersburgo, deixava uma obra que começou instantaneamente a conquistar a admiração. É preciso não esquecer que Púchkin surge num momento em que na Rússia estava em curso a consolidação de autores como Gogol e Lermontov, clássicos indiscutíveis da literatura do século XIX.
Representante de uma família cujas raízes remontam ao século XII, Púchkin foi educado como muitos dos filhos da nobreza russa, ou seja, sob a influência da cultura francesa. Pelo lado materno, o poeta teve um antepassado que viera de África e ficou conhecido como " O negro de Pedro, o Grande". O poeta não recusou a herança, e em alguns poemas fez questão de acentuar o pormenor genealógico.
A biblioteca paterna era pejada de autores franceses, o que permitiu ao jovem poeta dominar o francês antes mesmo de falar o russo. Com a conclusão dos estudos, foi nomeado tradutor do Departamento de Assuntos Estrangeiros de São Petersburgo, onde passou a frequentar os salões aristocráticos. O seu primeiro grande poema - o prólogo foi traduzido nesta versão -, foi "Russlan e Liudmila".
As relações insurrectas e as mensagens veladas contra o czar que aparecem nos versos chamaram a atenção das autoridades, e o poeta é enviado para o sul da Rússia. Em 1823 dá início à sua obra-prima, Evguéni Onéguin. Depois é transferido para Odessa, onde escreve a fatídica carta em que se declara ateu. A correspondência é interceptada, e Púchkin amarga o exílio em Mikhailovskoe, onde é vigiado em similtâneo pela polícia e os religiosos da aldeia. Foram-lhe proibidas visitas e a saída. Seguir-se-iam muitos fatos que o levaram a regressar a São Petersburgo, o casamento com Natalia Goncharova, e o duelo fatal.
1 O cavaleiro de Bronze, trad. Nina Guerra e Filipe Guerra, Assírio, 1999; publicado no Expresso.

2 Menos que um, Companhia das Letras, SP,1994